sábado, 21 de maio de 2011

Saudade de sentir

Houve um tempo em que o coração batia forte ao ouvir aquela voz, como se corpo e alma flutuassem. Tempo que qualquer bobeira dita era repetida diversas vezes pelas lembranças.  Tempo em que olhares se encontravam, se aproximavam e se perdiam em um abraço forte. Sem contar no perfume. Ah, era uma metonímia o cheiro que restava na roupa! O coração que se dizia completo, intenso, fervoroso, confiante. E agora? Tão estranho olhar aquela foto antiga e sentir...nada. Tristeza?  Momentos? Ódio? Mágoa?  Ressentimento? Lembranças?  Brigas?  Carinho? O que restou de tudo isso? Nada.  É tão simples quanto estranho.  Dizem que um velho amor se cura com um novo amor, será que é sempre assim? 



Essas “coisas do coração” são mesmo muito engraçadas.  Desde criança, somos apresentadas a um príncipe encantado, que chega em um cavalo branco e salva a vida das princesas. Tudo bem quem nem todas têm a sorte da Kate e se casam com um príncipe de verdade. Também o príncipe pode chegar de carro, de moto, de bicicleta, a pé, afinal existem tantos meios de transporte, não é mesmo?  Ah, e, não necessariamente, precisamos correr algum perigo para esse ser aparecer na horinha de nos salvar. Mas a verdade é que crescemos esperando o príncipe, o amor das nossas vidas, a pessoa certa. O problema é que quase sempre é o cara errado que aparece na hora certa. Aquela hora que você quer ouvir exatamente o que ele vai te dizer, as músicas que vai dedicar a você. Hora que você quer assistir aos filmes que ele vai te convidar e que você quer ler todas aquelas mensagens que ele vai te mandar.  E o pior de tudo, ele sabe disso! E vai usar todo o seu charme até sentir que tem você, de corpo, alma e coração. E é bem nessa hora, quando você se apaixona, se envolve, se entrega, que ele demonstra ser o cara errado. Ele pode até saber tudo o  que você quer, mas não sabe do que você precisa. Aí então, ele pode vir com aquele papo de “eu não posso me envolver” (na verdade, ele não quer se envolver) ou “você é muito pra mim” (na verdade, você é mesmo!). E aí você vai chorar, sofrer, até encontrar outro cara certo ou errado, em outra hora certa ou errada. Mas, ele também pode simplesmente se afastar de você, aparecendo, esporadicamente, como se nada acontecesse. E você, no auge da loucura, cria histórias, inventa desculpas pra você mesma, não enxerga quem ele é. E ele, no auge do domínio, abusa dos seus sentimentos e da sua cegueira. Mantém você refém de um amor que ele já não quer mais para si, mas quer dizer que é dele. E é quando a inquietude toma conta dos seus dias, pois já não sabe mais o que há de errado com você. Não sabe mais se foi intensa de mais ou de menos; verdadeira de mais ou de menos; romântica de mais ou de menos; amada de mais ou de menos. Não sabe se fala ou se cala; se pergunta ou se cala; se chora ou se cala; se liga, manda mensagem, vai atrás dele ou espera. E você decide. É isso, você espera! Espera o tempo passar, espera o problema de família se resolver, espera o trabalho se estabilizar, espera, espera, espera. E o que ele espera de você? Que você espere por ele, simples. E o tempo passa. Ele continua manipulando o seu sentimento. Ora agrada, ora se afasta. Ora mil juras, promessas, telefonemas. Ora silêncio, culpa, engano. E o tempo passa. O silêncio anda vencendo as promessas.  A espera está cansando de esperar. E o tempo passa. Passa. Passou. Antes mesmo de você se dar conta, aquele sentimento tão intenso vai embora com o tempo. Você já não vive mais como quem espera um amor, mas como quem conta os dias para o fim desse amor. Como quem já cansou desse livro e quer guardá-lo em uma gaveta inútil. De repente, você se vê livre. De repente, você se vê vazia. Melhor, talvez, seria a dor, a tristeza, a raiva. Mas não, não sobrou nada. Acabou. Passou. Nada. E segue, estranhamente segue sem nenhuma lembrança. Vez ou outra elas surgem em alguma frase, em algum perfume. Vez ou outra. E qual a importância que se dá a isso? Nenhuma. Nada. Não restou nada, de bom ou de ruim. A única saudade que se tem é a de sentir saudade. Sentir falta de abraço, de beijo, de carinho, de palavras, de perfume, pois já não se sente nada, só lhe resta a saudade de sentir.
Ela sente saudade é de sentir saudades...e só!

"Eu queria que não fosse assim, que não tivesse sido assim. Mas não consegui evitar. A semente recusava-se a vir à tona, eu nem sempre tinha tempo ou vontade de regá-la, e não chovia mais – foi isso que aconteceu." (Caio Fernando Abreu)

3 comentários:

  1. Muito bom querida, escrever é igual a expressar q é igual a sentir que por sua vez igual a viver...

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  2. Ai amiga, irmã. Que bom te ver escrevendo assim...É como se tua luz, que antes ninguém notava, agora resolveu brilhar em tuas palavras. E o que eu senti? Nada. Fiquei feliz por isso. Obrigada pela sua presença empoemada. Beijo e saudade.

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